A Princesa (Meu conto para o concurso: "contos do Rio", cujo tema era "mar")
Pasteur sabe: os acontecimentos mais simples e desprovidos de grandes aspirações culminam em resultados surpreendentes. Assim como a invenção do pneu, foi a descoberta do paulista.
O paulista é aquele cara, que há tempos não sabe o que é tempo. Paulista que é paulista só tem tempo pra gastar no trânsito ou em fila de banco. E este é o típico. Vai ‘a praia no Guarujá, não perde um domingo de macarronada na casa da vó, torce pelo Palmeiras. Recém-formado, trabalha num banco de renome internacional e até tem um certo prestígio apesar da pouca idade e experiência. Quem sabe, até gosta do que faz. Mas principalmente, paulista que é paulista tem medo do Rio... claro, todos os cariocas vão ‘a praia com colete ‘a prova de balas, e é só chegar no aeroporto para ser alvejado... “Bem indo ao Rio de Janeiro! Teu celular é legal? Então é meu!”.
O plano era: aeroporto-taxi-hotel, hotel-taxi-congresso, congresso-taxi-hotel, hotel-taxi-aeroporto e pronto, são e salvo. Ia apresentar seu trabalho no congresso, ganhava prestígio, e quem sabe com isso alguma oportunidade (porque paulista que é paulista gosta muito de dinheiro), tudo isso correndo o risco de uma bala perdida. Seria o herói entre os amigos do banco.
No primeiro passo tudo correu bem, chegou no hotel imune ao complexo da maré e linha vermelha. Porém não contava com isso... o hotel era na avenida Atlântica, seu quarto no décimo-sétimo andar. Olhou a medusa nos olhos, ouviu o canto da sereia... e se apaixonou pela princesinha, a tal da Copacabana. No calçadão, idosos andando (do jeito que só eles sabem. Um, dois, um dois!), pais lavando (com dificuldade... esses meninos não param quietos) os pés dos filhos, jovens alternando água-de-côco com o chope. Tudo isso em meio a uma confusão de carros, e principalmente, de bicicletas.
Tomou coragem e colocou uma bermuda (porque paulista que é paulista não usa sunga) e pisou pela primeira vez na areia de Copacabana. E ao contrário das praias onde havia estado, nesta a areia era fofa, convidativa, não como aquele concreto que não suja o pé quando se sai da água.
Simpatizou com o pessoal da barraca de matte, que ofereceu guardar suas coisas enquanto ele mergulhava. Aquilo era estranho pra ele, “não tem nenhum armário pra alugar aqui não?”.
Então encontrou sua princesinha, e ela estava mais bonita do que quando vista de longe. Esperou pelo momento certo do encontro, e quando as ondas lhe estavam favoráveis, se permitiu levar com a certeza de encontrar braços abertos, oferecendo razões para se apaixonar, em todos os sentidos. Água gelada em contato com o corpo quente por um sol escaldante, dividindo a visão entre o morro no Leme, o forte e o céu azul, que só um dia de verão no Rio sabe pintar...
E a cidade não deixa de ser violenta. Sem tomar conhecimento ela invade teu peito, toma de assalto teu coração. A água gelada machuca a pele, faz a respiração ficar mais rápida. O calor te faz suar, de sunga na sombra, miragem no asfalto. E assim, te seqüestra pra sempre.
A volta pra casa não foi igual. Como a angústia da criança, que faz de tudo pra não ir embora da casa da avó, após meses de férias, chora, finge dor de barriga, pra ganhar só mais um “diazinho”.
A praia do Paulista não é o rio Tietê, nem o parque Ibirapuera... é “copa”.
Do momento em que tomou a princesinha nos braços (porque mar não tem cabelos nos quais se pode agarrar) até hoje, o tempo passou, mas não o amor.
Continuou morando em São Paulo, subiu na vida, casou, teve filhos. A mulher não tem ciúmes de sua princesinha, aliás, aprendeu a amá-la também. Mas o Paulista é aquele do “último mergulho” dia primeiro de janeiro, com o coração apertado, mesmo sabendo que em fevereiro outro primeiro, e outro último mergulho virão.
Hoje já não há a flexibilidade daquele tempo, as corridas no calçadão deu lugar ‘as caminhadas, o futebol ‘as partidas de gamão. Agora, fala com os mais novos com o respeito de quem há tempos admira sua beleza, bradando “aqui era muito mais bonito, o mar era muito mais azul, a faixa de areia era muito mais larga, a seleção de setenta era a melhor”.
Mas sabe que não é menos apaixonado.
Morou no Rio por pouco tempo. Seu coração já não era como antes e não suportou essa intensidade de emoções por muito. Não sofreu, nem deixou de visitar sua princesinha nenhum dia. Cinzas, no mar de Copacabana, e como sempre quis, se deixa afagar e beijar, abraçado por ela. Drummond é testemunha.